A maioria dos 11 juízes conselheiros do Tribunal Constitucional já apreciaram e acolheram o recurso extraordinário de inconstitucionalidade impetrado por Walter Filipe, António Manuel, José Filomeno dos Santos e Jorge Pontes.
Em 2020, o Tribunal Supremo julgou e condenou Walter Filipe, ex-governador do Banco Nacional de Angola, e António Manuel, ex-director de gestão de reservas do mesmo banco, a oito e cinco anos de cadeia, respectivamente, por crimes de peculato e burla por defraudação.
Envolvidos no mesmo processo, Jorge Pontes Gaudens Sebastião e José Filomeno de Sousa dos Santos foram condenados a 6 e 5 anos pelos crimes de burla por defraudação e tráfico de influência.
O quarteto foi julgado e condenado no âmbito do chamado “processo 500 milhões de dólares”, uma operação financeira que pretensamente lesaria o Estado angolano em várias centenas de milhões de dólares.
Inconformados, os quatro réus recorreram ao Plenário do Supremo para reverter a decisão. Mas a decisão da primeira instância foi mantida porque o presidente do Tribunal Supremo, fazendo recurso a um expediente à época inexistente, votou duas vezes para desempatar uma decisão empatada em 4.
Em Agosto de 2022, o próprio Tribunal Supremo aceitou o recurso extraordinário de inconstitucionalidade entretanto interposto pelos réus e submeteu o caso ao Tribunal Constitucional.
No dia 30 de Setembro do mesmo ano, a Veneranda Juíza Conselheira Presidente do Tribunal Constitucional admitiu o recurso para o que alegou tratar-se “de uma decisão cuja procedência obrigatória foi esgotada”.
No mesmo despacho, Laurinda Cardoso determinou que o recurso produzisse “os efeitos previstos no artigo 44º da LPC”.
Quase um ano depois da sua admissão, sabe-se que o recurso já foi apreciado, tendo a maioria dos juízes votado a favor dos recorrentes porque reconheceram no processo bastantes inconstitucionalidades.
Embora se lhe note simpatia para com os argumentos elencados pelos recorrentes, a presidente do Tribunal Constitucional, Laurinda Cardoso, ainda não tomou nenhuma decisão.
No próprio Tribunal Supremo acredita-se que Laurinda Cardoso condiciona a decisão a orientações políticas, geralmente emanadas pelo Presidente da República.
Em Agosto de 2021 quando foi nomeada para a presidência do Tribunal Constitucional, Rui Verde, investigador visitante na Universidade de Oxford e consultor jurídico do Maka Angola, advertiu para o hábito de obediência ao Presidente da República que Laurinda Cardoso e todos os membros do Governo e militantes do MPLA cultivam.
“Deve ser vista com alguma preocupação a nomeação de uma pessoa directamente do executivo para o TC. Não fere formalmente a separação de poderes, mas cria antecipadamente um manto de suspeição sobre a juíza designada.”
Analista e investigador do ISCTE, para o angolano Jonuel Gonçalves a nomeação de Laurinda Cardoso poderia não ser benéfica ao próprio Presidente João Lourenço.
“Fazendo o cálculo custo-benefício, João Lourenço nem sequer sai muito a ganhar. Poderá ter uma presidente do TC que não crie problemas, mas, por outro lado, terá de pagar um custo político muito alto, ao fazer uma nomeação dessas numa Angola como a de hoje.”
Jonuel Gonçalves entendia que, embora não tivesse ferido a legalidade, a nomeação de Laurinda Cardoso, membro do Bureau Político do MPLA até dois dias antes, “vem confirmar os rumores” de instrumentalização política da Justiça em Angola e “dar muitos argumentos à oposição”.
Um dos primeiros casos com que Laurinda Cardoso teve de lidar à sua entrada no TC foi queixa de 11 alegados militantes da UNITA que pediam o afastamento de Adalberto Costa Júnior da liderança do partido por ter dupla nacionalidade na altura em que foi eleito, algo que os estatutos do congresso não impediam e cujos resultados da eleição o TC já anteriormente considerou como válidos.
Como que fazendo jus à suspeição presumida por Rui Verde, no dia 7 de Agosto de 2021, um sábado, o Bureau Político do MPLA dizia que a Frente Patriótica Unida, então na forja, “não apresenta propostas alternativas para Angola e que não tem visão de futuro” e antevia a destituição do presidente da UNITA, a principal impulsionadora do projecto.
Num duro comunicado, o MPLA referia-se à FPU como uma “Frente” composta por um Partido cujo líder tem o seu lugar “por um fio”.
Decorridos apenas dois meses, no dia 5 de Outubro, o Tribunal Constitucional declarou como ilegal a eleição de Adalberto Costa Júnior como presidente da UNITA, efectivada no congresso do partido realizado em Novembro de 2019.
Com essa decisão ficou reforçada a presunção de que Laurinda Cardoso era mais um reforço do MPLA no Tribunal Constitucional.
O Presidente da República, João Lourenço, não disfarça a sua interferência em todas as instâncias jurisdicionais.
Para a presidência do Tribunal Supremo nomeou, em 2018, um brigadeiro das Forças Armadas em detrimento da juíza conselheira Joaquina do Nascimento, a primeira escolha dos seus pares; em Fevereiro deste ano forçou a demissão da presidente do Tribunal de Contas, Exalgina Gamboa, e em Junho passado, ao dar posse ao novo titular do Tribunal de Contas, encorajou-o a praticar actos ilegais como o de dispensar vistos em grandes empreitadas públicas.
Em 2019, o Tribunal Supremo levantou as medidas de coação que impediam deslocações de qualquer membro do quarteto. Quatro anos depois dessa decisão, nem o Tribunal Supremo devolve os documentos de viagem e nem o Tribunal Constitucional se mostra inquieto com essa violência contra a lei.
Embora presida ao Tribunal Constitucional, não é à Laurinda Cardoso que cabe a última e decisiva palavra.
Como em outros casos envolvendo figuras próximas ao falecido Presidente José Eduardo dos Santos, o futuro de Walter Filipe, Jorge Pontes, António Manuel e José Filomeno dos Santos depende dos caprichos e humores do Presidente da República.
Aqueles que se divertem e enriquecem à custa das hosanas a João Lourenço deveriam, até por decência, lembrar-lhe a célebre frase de Montesquieu, um filósofo, escritor e jurista iluminista francês segundo a qual “Quando uma lei deixa de proteger os teus adversários, virtualmente deixa de te proteger “.
Traduzida por miúdos, a frase quer dizer o nosso popular “cá se fazem, cá se pagam”.