Esperança Costa,
a fictícia da vez

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Nos primeiros anos de 2000, o extinto Semanário Angolense colou a Fernando da Piedade Dias dos Santos,  “Nandó”, o adjectivo fictício.

Como ensina qualquer dicionário de língua portuguesa, fictício é sinónimo de simulado, ilusório ou imaginário.

Naquela altura, Nandó era nominalmente primeiro-ministro do Governo angolano.

Nos termos da Constituição então vigente, o primeiro-ministro era um coadjutor do Presidente da República na condução do Governo, sem competências próprias. 

Por comiseração ou qualquer outro sentimento próximo, o Presidente José Eduardo dos Santos delegou no seu primeiro-ministro a coordenação do sector social do Governo, área que compreendia a Saúde, Educação, Desportos e pouco mais.

Até lhe ser delegada a coordenação daquele sector, Nandó andou verdadeiramente acantonado no gabinete. No primeiro ano no exercício da função, nem  permissão teve de José Eduardo dos Santos para se deslocar a qualquer província do país.

José Eduardo dos Santos deixou claro que não queria Nandó a sonhar acordado quando, para lhe vigiar os passos, criou o cargo de ministro adjunto do primeiro-ministro, função que confiou ao seu primo Aguinaldo Jaime. Adjunto do primeiro-ministro, “Maradona”, como Aguinaldo Jaime era conhecido nos corredores do poder, tinha mais peso no Governo do que o seu superior imediato. Coordenava a esfera económica do Governo, tendo “abaixo” de si os ministros das Finanças e do Planeamento.

Na rara ocasião em que Nandó dirigiu uma reunião do Conselho de Ministro por delegação de José Eduardo dos Santos fê-lo com uma agenda hermeticamente trancada.  

É esse vazio de poderes que valeu ao então primeiro ministro o apelido de fictício. Nandó era mesmo um primeiro-ministro fictício.

Em 2010, a nova Constituição da República de Angola substituiu o sistema semi-presidencialista, com forte pendor presidencialista, para o presidencialismo puro e duro. O cargo de primeiro-ministro foi extinto e deu lugar ao de vice-Presidente da República. Mas, a mudança ficou-se apenas pela designação do nome. Tal como o primeiro-ministro, o vice-presidente da República é, nos termos da CRA, uma figura decorativa, sem competências próprias. Existe, apenas, para substituir o PR nas ausências deste. 

Regimes totalitários como o angolano vivem de aparências e aberrações. O vice-presidente é coberto de mordomias incompatíveis com as tarefas que (não) executa.

No seu primeiro mandato, o Presidente João Lourenço não permitiu que o seu vice, Bornito de Sousa, fizesse qualquer coisa que valesse a pena. 

Diz-se que Bornito de Sousa teria pedido Presidente a coordenação do sector social. Professor universitário, Bornito de Sousa gostaria de revolucionar o sistema de ensino em Angola, inspirando-se no modelo dos países nórdicos. João Lourenço viu nessa pretensão uma “sombra” indesejável. BS também não foi bem sucedido quando sugeriu ao seu chefe para coordenar a implementação das autarquias.

Sem praticamente nada o que fazer no seu gabinete de trabalho, Bornito de Sousa atravessou quase todo o mandato a intercalar a navegação nas redes sociais com audiências a representantes de alguns segmentos sociais, nomeadamente músicos da segunda divisão.

Para “chacoalhar” o tédio, BS pedia autorização para algumas visitas ao interior do país. Diz que sabe que era com alguma relutância que o Presidente da República anuía às solicitações do seu vice.

Com a vice-presidente da República, Esperança Costa, está a suceder o mesmo.

Caída de paraquedas numa função que deveria ser prestigiada com algum trabalho, a antiga secretária de Estado das Pescas compensa o vazio da função com despropositadas deslocações ao interior e exterior, seja a título privado, seja a título oficial.

Nos primeiros dias de Outubro foi ao Huambo para o que os seus assessores designaram como “visita de trabalho, no âmbito do acompanhamento privilegiado aos sectores da Educação, Ensino Superior e Ambiente”. No organigrama do Executivo do Presidente João Lourenço quem supervisiona os referidos sectores é a ministra de Estado para Área Social, a antiga rapper e “embaixadora” do animador Miguel Neto, O Nível, nos Estados Unidos, Dalva Ringote.

Quem viu a frota de Lexus mobilizada para a visita da vice-presidente da República ao Huambo julgou, legitimamente, que no interior de uma daquelas viaturas estaria alguém que conta no país. Puro engano! Era a vice do Presidente João Lourenço, uma “kunanga” menos conhecida do que a última classificada no ranking feminino do kuduro angolano.

Para lhe calar possíveis resmungos ou muxoxos, João Lourenço cobre a sua vice com mordomias de gente grande. Permitiu-lhe que onerasse a folha salarial do palácio presidencial por via do cabritismo puro e duro. Quase toda a parentela e a do esposo está empregada no gabinete da vice-presidente.

E para lhe dar ares de importante, João Lourenço permite que a sua vice viaje ao estrangeiro em meio a grande fanfarra.

Com direito à honras de primeira página, o Jornal de Angola anunciou no dia 25 de Outubro a visita de Esperança Costa ao Reino de Espanha, “onde permanecerá por alguns dias, em visita privada”.

O trânsito, agora inevitável, por Lisboa da vice-presidente de Angola quase criou um irritante nas relações entre os dois países.

Com mania de gente grande, os serviços de apoio de Esperança Costa não quiseram declarar às autoridades lusas a quantidade e qualidade das armas dos seus guarda-costas e nem o nome do hotel em que se hospedaria, provavelmente apenas para trocar de roupa. 

Foi necessário que representantes dos Ministérios dos Negócios Estrangeiros e da Administração Interna de Portugal mostrassem os “dentes” para que os angolanos fornecessem as informações a que são obrigadas pelos protocolos diplomáticos. Também a embaixadora angolana em Portugal, general Maria de Jesus Ferreira, teve de intervir para lembrar aos seus compatriotas que Portugal não é a 19ª província angolana.  

Ou seja, os serviços de apoio da vice-presidente da República quiseram afirmar em Portugal importância que ela não tem, nem mesmo em Angola. 

No país, a vice-presidente é mais conhecida pela algazarra que acrescenta ao já caótico trânsito automóvel. Ou pelo papel de ama que faz nas festas organizadas no palácio presidencial.

E, como convém a regimes totalitários, muito dados a espectáculo, à ostentação e à encenação, Esperança Costa viajou até Espanha a bordo de um jacto do Estado angolano.

Anunciada como privada, a visita da vice-presidente custou, porém, uns largos milhares de dólares ao erário.

Quando cessar funções, Esperança Costa guardará gratas lembranças das ajudas de custo que acumulou, das viagens sem propósito e, certamente, do mais prolongado período em que não teve que exercitar os neurónios para sustentar a prole. 

Aqui chegados, a pergunta é: porquê razão o Presidente da República não põe a trabalhar a sua vice?
No Brasil e Estados Unidos, dois países com sistema de governo presidencialista, como o nosso, os vice-presidentes não são consumidos pelo tédio.
Geraldo Alckmin, vice de Lula, acumula com a pasta ministerial do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços. Nos Estados Unidos, o vice-presidente é, constitucionalmente, o presidente do Senado.
Em Angola, se fosse confiada à vice-presidente a coordenação da área social, o Estado pouparia o dinheiro que gasta para acomodar a antiga rapper.