Demarte Pena,
um campeão esquecido

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Sexta-feira, 24, enquanto Luanda estava parcialmente parada por uma chuva torrencial que, uma vez mais, deixou em claro a incompetência da governação, o presidente João Lourenço oferecia, nos jardins da sua residência oficial, um banquete de homenagem a atletas nacionais que se sagraram campeões e vice-campeões do Mundo e de África em diferentes modalidades.

Várias figuras foram homenageadas. 

Porém, o foco na comunicação social pública e mesmo das redes sociais da Presidência da República foi quase inteiramente dirigido ao campeão do Mundo de LMP2, uma categoria a qual, da noite para o dia, foi quase atribuída a mesma importância que a Fórmula 1.  

Coincidentemente, Rui Andrade, o homem a quem “especialistas” auguram um futuro próximo a competir ao lado de estrelas” como Sebastian Vetel, Lewis Hamilton e outros, é filho de Rui Falcão Pinto de Andrade, membro do Bureau Político do MPLA.

Na esmagadora maioria das notícias dos órgãos públicos o nome do campeão Rui Andrade apareceu em primeiro lugar. Outros campeões do Mundo, nomeadamente Heliane Caio e Osleny Thomas, bem como os vice-campeões do mundo Inelton Bombo, Ricardo Ximenes, Ruth Baltazar, Erik Rodrigo Banson e Hélder Kennedi Manuel, entre outros, apareceram em plano subalterno. O próprio presidente da República, no seu discurso, ao elencar os campeões, começou pelo nome de Rui Andrade. Pode não ter sido aleatório. 

Como a alguns angolanos por vezes escapa algum conhecimento, convém alertar que até chegar à Formula 1, a prova Le Mans Prototypes (LMP) 2, de que o filho de Rui Falcão é campeão, tem pela frente “degraus” como Fórmula 2, Fórmula 3, Stock Car, Fórmula E e Fórmula Indy.  

A cerimónia, a que se fizeram presentes algumas figuras da auto-denominada “Inteligência do Sistema Desportivo”, reconheceu desportistas que se destacaram nas modalidades de automobilismo de resistência LMP2, ju-jitsu, fisiculturismo, lutas e artes marciais mistas (MMA). 

A quem ande familiarizado com o mundo do desporto não passou despercebida a ausência de uma das principais figuras do desporto nacional, de seu nome Demarte Pena. 

Quando Demarte Pena  começou a ganhar títulos, que lhe valeram dezenas de medalhas, alguma das quais correspondentes a títulos mundiais, Rui Andrade ainda “engatinhava” na LMP. 

Residindo habitualmente na África do Sul, Demarte Pena tem combate na capital do país agendado para o dia 2 de Dezembro, sábado próximo. 

Se convidado para a banquete com que o PR homenageou os nossos campeões, por certo que o lutador marcaria presença. 

Aliás, ao Correio Angolense, ele disse que não teria problema de qualquer natureza em chegar mais cedo a Luanda.

A ausência de Demarte Pena é mais uma demonstração da promiscuidade do desporto com politiquices. 

É, também, demonstração de que a reconciliação nacional é assunto tratado selectivamente. 

Demarte Pena é filho do falecido general Arlindo Chenda Pena “Ben Ben”, que morreu em Outubro de 1998, na África do Sul, e de Mavilde Dachala.  

É impossível dissociar o seu “esquecimento” do banquete presidencial da sua árvore genealógica. 

No banquete presidencial, saltou à vista o avultado número de políticos, muito superior ao de desportistas. 

Sendo uma cerimónia que visava o reconhecimento de gentes do desporto, não ficava nada mal que houvessem mais desportistas convidados, em vez de apenas “meia-dúzia”. Esta prática, aliás, tornou-se banal. Quando há vitórias no desporto, políticos se apressam a “aparecer” para associar as respectivas imagens ao sucesso conseguido com muito sacrifício.

O anfitrião da cerimónia  pode, até, não saber, mas a verdade é que o desporto angolano é tratado com desdém por quem decide. Vive da mendicidade e é comum equipas nacionais irem a estágios e competições internacionais sem um tostão no bolso. Quando, finalmente, recebem o dinheiro, já só dá por exemplo para metade dos bilhetes de passagem e das ajudas de custo, em virtude da erosão contínua e célere do Kwanza face às moedas fortes.

O facto de o próprio presidente da República não ter nenhum assessor do desporto na sua quilométrica lista de conselheiros, diz bem da importância que é dada o desporto. Uma figura como Rogério Silva ou Ngouabi Salvador, que foi homenageado pelo presidente da França devido ao seu desempenho no desporto angolano, podiam fazer toda a diferença num órgão onde abundam jornalistas e juristas. 

“Vamos continuar a construir infra-estruturas desportivas como estádios e pavilhões multiuso para a prática de diferentes modalidades num mesmo espaço. Estão a ser construídos os estádios do Huambo e do Uíge, assim como o centro de estágios para o desporto paraolímpico para diferentes modalidades, com alojamento e todos os equipamentos necessários, na cidade de Caxito, com data prevista de entrega no próximo ano e a que se vai dar o nome do campeão José Sayovo que suponho que esteja aqui presente”, disse o chefe de Estado na referida cerimónia. 

Com homens do desporto no Conselho da República, seguramente não deixariam o PR lavrar na ilusão de pensar que a construção de infra-estruturas desportivas é garantia de sucesso. 

De resto, um olhar rápido no retrovisor da história do desporto angolano revela-nos que a qualidade dos atletas angolanos e os títulos de selecções e clubes vêm minguando na proporção inversa do aumento do número de estádios e pavilhões multiusos. Ou seja, quanto mais o parque desportivo nacional cresceu, menor foi o número de títulos conquistados. É, pois, necessário muito mais do que instalações desportivas caras para ter sucesso. É preciso primeiro conferir dignidade aos desportistas.