Adequem-se, camaradas!

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Com uma frequência que cresce todos os dias, e que, por isso, se torna assustadora, o MPLA e seus entes vêm dando sinais de desconexão com o resto do país. 

Ininterruptamente no poder desde a independência do país e tendo à mão todos os instrumentos de que precisa para avaliar a situação, o MPLA continua, porém, a dar provas de muita inépcia. 

Há quatro meses, o chefe da bancada parlamentar do MPLA,  Américo Kuononoca, com a  jactância de quem se julga dono de tudo, rebateu o que se dizia a respeito da fome em Angola.

A existência de fome em Angola  foi sempre suportada por levantamentos sobre como milhares de famílias se batem para pôr comida na mesa. Assustado com a indignação que a sua declaração tinha provocado, Américo Kuononoca fez uma mea culpa, dois meses depois.

“Reconheço claramente que há fome em Angola, inclusive fome extrema. Uma das lutas do Executivo é justamente acabar ou diminuir a fome. Peço desculpas a toda população. Não era isso que eu queria dizer inicialmente“.

O pedido de desculpas foi registado, mas o estrago, traduzido numa tremenda insensibilidade, já estava feito. Se Américo  Kuononoca precisa de sentir na pele a indignação das pessoas, o MPLA tem que olhar para dentro de si mesmo e perguntar a que se refere quando aposenta os seus planos.

Pelos vistos, o MPLA não faz nenhuma introspeção e isso resulta na forma desconexa como os seus dirigentes se referem a questões que dizem respeito a todos, sejam elas de natureza política, sejam elas económicas.

O ministro da Indústria e do Comércio, Vítor Fernandes, que enquanto comentarista de TV e assessor do ministro do Planeamento parecia uma pessoa avisada, tentou, de forma leviana, propor a alteração da dieta de angolanos.

“Temos que olhar se faz sentido continuarmos com o pão como a nossa principal commodity para o pequeno almoço“. Na ânsia de falar bonito e sofisticado, o noviço tentou dar ao pão o mesmo tratamento que  se dá, nas bolsas, às verdadeiras commodities, isto é, coisas como ferro e afins.

Surpreendido com a perplexidade da jornalista que o entrevistava, Vítor Fernandes carregou no pedal avançando com algumas sugestões. “Batata doce, mandioca, banana,  porque não? Se tu não  comeres  pão ao pequeno almoço morres?”

O que ficou do tropeço do novo ministro foi que ele não apresentou uma ideia de como se vai passar a produzir mais pão em Angola. Não basta dizer que em primeiro lugar não produzimos trigo…

O ministro pode ter pensado na introdução de cereais na dieta matinal de famílias ocidentais sobretudo. O que ele parece ter perdido de vista é que mesmo aí o pão não desapareceu. Como pode então ele, de forma leviana, pretender riscar o pão nosso de cada dia do mapa angolano? É assim que se mobiliza uma Nação para mudar de hábitos? 

A reacção de Kwata Kanawa à pergunta de um jovem é a confirmação de que, para muitos dirigentes do MPLA, a democracia continua a ser um processo de difícil  “ingestão”.

As sugestões “dietéticas” do novo ministro destaparam também alguma impreparação política que não se via enquanto era comentarista. Depois desse clamoroso “espalhanço”, Vítor Fernandes, muito provavelmente seguirá o exemplo de Kuononoca: fechar-se em copas até a tempestade passar. 

A semana passada a indignação teve origem em Malanje. Surpreendido pela pergunta de um jovem sobre o que fez até agora, o governador Norberto dos Santos, “Kwata Kanawa” reagiu como se o autor da pergunta não fosse capaz de pensar pela própria cabeça, ou que, enquanto eleitor, não tivesse direito de lhe pedir contas.

Você não representa nada para avaliar o trabalho deste Governo. Eu sei que você ou o senhor é uma boca de aluguer. Alguém te mandou dizer isso que você disse aqui”, vociferou.

Seria bom que o governador de Malanje e outros dirigentes do MPLA se fossem habituando a abordagens dessa natureza. Uma das coisas que se deve reconhecer no presidente João Lourenço é o encorajamento ao exercício de cidadania e ao usufruto dos direitos de cada um. Estas aspirações acabarão mortas e o MPLA acabará convencido de que está tudo bem quando reagir à quente cada vez que um cidadão levantar a voz. 

Está aqui outra desconexão e neste caso não é de idade. O grosso dos eleitores de hoje exige que o MPLA resolva os problemas de hoje e que deixe da lengalenga do esforço que faz, da vitória  sobre isso e aquilo  e por aí abaixo. 

Adequem-se camaradas! Enquadrem-se!