A ANGOLA DO CONTRASTE

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Na sua edição electrónica do dia 28 de Março, o Novo Jornal publica uma reportagem sob o título “Kwanza Norte: Alunos andam 20 quilómetros à pé para ir à escola de Cassule e Luinga”.

O início da matéria é comovente: “Com sol e com chuva, João Pinto Simão, de 16 anos, e José Ângelo, de 17 anos, andam todos os dias 20 quilómetros (ida e volta) de Cassule, aldeia do município de Calandula da província de Malange até à escola do Luinga, na província do Kwanza Norte”.

O percurso diário dos dois petizes consome-lhes mais do que quatro penosas horas.

“Todos os dias saio de casa 8H30 para chegar à escola do Luinga 12 horas”, contou João Pinto ao repórter  Alexandre Lourenço.

Nas aldeias de Cassule, em Calandula, e Luinga, no Kwanza Sul, as crianças não sabem o que é transporte escolar; nunca ouviram falar disso. O transporte público não passa pelas estradas esburacadas de Cassule e Luinga.

Se confrontados com o drama diário de crianças obrigadas a percorrer longas distâncias a pé para ir ao encontro do saber, tanto o governador de Malange quanto o seu homólogo do Kwanza Norte dirão que nada podem fazer. Alegarão, com razão, que não recebem recursos financeiros para colocar transporte público ao serviço dos cidadãos. 

Num país em que o Executivo evoca, cada vez mais, falta de recursos financeiros para justificar o muito pouco que faz em prol das populações, às crianças de Cassule, do Luinga, às crianças de toda Angola, não é aconselhável sonhar com transporte escolar e muito menos com escolas ao dobrar da esquina. 

Nesta mesma Angola que impõe às crianças de Cassule o sacrifício de percorrem diariamente 20 ou mais quilómetros a pé, porque os governantes do país dizem não ter um tostão furado para lhes prover transporte público, o ministro dos Transportes mobilizou o que há de mais moderno e luxuoso na imensa frota de carros que tem ao seu dispor, para ir ao Lobito inaugurar um complexo residencial dos trabalhadores do porto local. 

Numa Lobito a braços com as dramáticas consequências das últimas enxurradas, que deixaram a cidade quase submersa, o auxiliar do Titular do Poder Executivo precisou não de um, mas de vários, jeeps topo de gama, para deixar clara a fronteira entre governantes e governados.

Ricardo D’Abreu, um dos meninos queridos do TPE, foi ao Lobito mostrar a Angola da opulência, da ostentação, do escárnio aos pobres. Em suma, ele foi sublinhar no Lobito que a Angola dele e a dos seus pares não tem nada a ver com a Angola dos desesperados, dos famintos, dos flagelados pela fome e pela seca.

A Angola de Ricardo D’Abreu é a Angola que a Euronews “vende” ao mundo. Uma Angola da fantasia, uma Angola de sonho.

Na Euronews não se diz que em Angola coabitam duas realidades que se repelem: a Angola cor de rosa, a dos governantes, e a Angola real, Angola da fome, da doença, do desespero, da falta de esperança.

A Angola real, que o fotógrafo Quintiliano dos Santos, do Novo Jornal, destapou novamente, não encaixa no paradigma que os novos senhores do País combinaram com a Euronews.

Mas a Angola real resiste a todas as maquilhagens da Euronews. 

Em cima, Ricardo D’Abreu e a luxuosa frota de viaturas que foi ” esfregar na cara” dos lobitangas e embaixo petizes que percorrem, a pé, longas distâncias. Nos Gambos, a população já se rendeu à fome.