FOGO CRUZADO

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Neste exercício, o Correio Angolense põe em confronto leituras opostas de dois intelectuais angolanos sobre dois temas que um (Celso Malavoloneque) toma como assunto e outro (Paulo Inglês) reputa como não assunto. Sociólogos, ambos dizem das suas razões sobre a dupla nacionalidade (assunto que dissidentes da UNITA, apoiados pelo MPLA, “acoplaram” ao debate político) e a vida privada de estadistas ou candidatos a tal

Em textos disponíveis nas redes sociaisCelso Malavoloneque e Paulo Inglês, ambos sociólogos, divergem profundamente sobre dois temas que algumas individualidades querem, quase à martelada, “acoplar” ao actual debate político que antecede as próximas eleições gerais. Os dois estão em barricadas opostas em assuntos como dupla nacionalidade de candidatos à Presidência da República e a sua vida privada.

Sobre o primeiro tema, Celso Malovaloneque, que é também especialista em Marketing Político, diz que “desde tempos imemoriais, outras nacionalidades em estadistas foram vistas com desconfiança e receio. Os cidadãos do país que o estadista quer dirigir ficam sempre com a interrogação se, perante a sua ‘antiga pátria’ o estadista será mesmo capaz de defender os seus interesses”. Em suma, sugere, o estadista tem “sobretudo que ser muito transparente na forma como se desliga e mostrar uma boa distância política da sua ‘outra pátria’”

Paulo Inglês contrapõe, o que faz com o suporte de vários exemplos. “Não sei que ‘tempo imemoriais’ …A nacionalidade é algo recente na história…praticamente no século XIX. Nas monarquias europeias, os reis (e rainhas) eram descendentes de vários povos. O actual rei de Espanha é descendente de alemães, ingleses, dinamarqueses, gregos, húngaros etc. E eram estadistas. A rainha Elizabeth também…o próximo rei de Inglaterra provavelmente será o príncipe Carlos, que é filho de inglesa e grego e neto de húngaros etc. E será estadista. Não estou a ver os ingleses escrutinar a dupla ou tripla nacionalidade do príncipe…Nem interessa”.

Quanto à vida privada, Celso Malavoloneque defende que o estadista ou candidato a tal deve ser um “livro aberto”, o que sustenta com o argumento de que “o estadista tem que dar provas na sua vida pessoal de altos padrões de ética e disciplina. A sua idoneidade moral tem que estar acima de qualquer suspeita. Em todas as vertentes da vida, pessoal, familiar, estudantil, profissional e política tem que mostrar grande capacidade de auto-sacrifício na entrega e defesa das causas que adopta. (…) A forma como se conduz na vida não pode estar no centro de dúvidas e polémicas. É em busca desta segurança e certeza que os cidadãos escrutinam a vida pessoal e privada para além de pública e política de estadistas e candidatos ao cargo máximo do País”.

Num texto anterior, Celso Malavoloneque (CM) sustentou que em “todo o Mundo e em África também os candidatos abrem a vida privada aos eleitores para mostrar que pode-se confiar neles também como bons maridos, pais, amigos e até crentes. Quem não consegue organizar a sua família, não tem credenciais para dirigir uma Nação. Da mesma forma que quem mente sobre os dados da história pessoal, não é de confiança para lhe entregar o destino de todos nós”.

Ideia contrária tem Paulo Inglês (PI), que sustenta a sua contestação a partir de experiência pessoal. “Vivi em Moçambique sob o mandato de Chissano, em Portugal sob Cavaco Silva e depois Guterres, ainda esteve Durão Barroso, creio que também tinha nacionalidade brasileira, não tenho a certeza; em Inglaterra sob Tony Blair, em Espanha sob Aznar e Zapatero, na Alemanha sob Merkel. Em nenhum destes países os cidadãos querem saber da vida privada dos candidatos. Havia curiosidades da yellow press (imprensa amarela)”.  

 No dia 18, Celso Malavoloneque atribuiu a fontes que não identificou sentimentos de “grande desconforto” na UNITApretensamente provocado “pelas pontas soltas da vida pessoal do seu Presidente”, que,  sendo casado, ter-se-ia juntado “apressadamente  a uma jovenzinha quando decidiu candidatar-se ” à liderança da organização.

À essa “zongolisse”, Paulo Inglês contrapõe com a realidade que constata em Angola.

“(…) mesmo aqui em Angola não creio que a imprensa alguma vez tivesse manifestado muito interesse pela vida privada do Presidente José Eduardo dos Santos. Mas, contudo, todos supomos que ele não era monge… E a vida privada do Presidente João Lourenço? Além de um exercício de mau gosto, quem é que, no seu juízo, gostaria de perder o seu tempo em saber com quem é que o chefe de Estado adorou ou adora “enroscar-se’?  Em quê é que isso ajuda sobre as suas políticas ou visão de país?” 

PI juntou dois exemplos demonstrativos de que, na generalidade, o cidadão comum não inclui a vida privada (nomeadamente “saltos à vara…) de entidades públicas entre as suas preocupações do quotidiano.

1      – Winston Churchill (antigo primeiro-ministro britânico) era conhecido por adorar culto ao deus Baco, com whisky…A castidade não contava entre as suas virtudes; não era conhecido por ser pontual, nem humildade, e fazia gala do seu elitismo. Mas os ingleses consideram-no um dos melhores primeiro-ministro que já tiveram.

2      – Ângela Merkel (chanceler alemã) …Merkel, como sabem, é o apelido do seu primeiro marido, de quem se divorciou, mas que preferiu manter o apelido. Está casada com um outro senhor chamado Sauer, que é um professor universitário, um químico. Os alemães nunca quiseram saber sobre a sua vida privada.

Com um outro exemplo, Paulo Inglês mostra como as aparências podem ser enganadoras.

“Hitler (líder da Alemanha nazi) tinha uma vida privada aparentemente irrepreensível: não consumia álcool, nem carne; fazias exercícios físicos, não fumava; gostava de animais, cães e oferecia flores às senhoras. Mas de manhã devorava com um misto de sofreguidão e prazer os relatórios sobre quantas crianças judias de três anos tinham sido queimadas ou asfixiadas nas câmaras de gás no dia anterior”. 

Celso Malavoloneque argumenta que os cidadãos escrutinam a vida pessoal e privada dos entes públicos “em busca da segurança e certeza” de que o estadista que escolherem “só vai representar os seus interesses e nenhuns outros”.

Paulo Inglês responde a essa “necessidade” dos cidadãos com refinada ironia. (…), mas imagino que em Angola saber da vida privada de alguém pode fazer baixar a inflação ou acabar com a fome de milhares de angolanos…”