Sendo muito improvável que as duas estações televisivas tenham agido por conta e risco próprios, provável mesmo é que dificilmente alguém dará a cara pela decisão, ontem anunciada, pela Televisão Pública de Angola e pela TV Zimbo, de banirem a UNITA do seu espectro informativo.
Ontem, segunda-feira, 13, as duas estações televisivas públicas anunciaram, quase em simultâneo, que doravante deixarão de cobrir todos e quaisquer eventos envolvendo a UNITA.
No seu Telejornal, a apresentadora da TPA leu um comunicado com o seguinte teor:
“O conselho de administração da Televisão Pública de Angola reuniu-se nesta segunda-feira para avaliar os acontecimentos do último fim-de-semana e decidiu:
1. Deixar de dar cobertura às atividades promovidas pela UNITA;
2. Não entrevistar dirigentes da UNITA;
3. Não convidar militantes, responsáveis e dirigentes do referido partido em debates, até que a direção da UNITA ao mais alto nível peça desculpas públicas e se comprometa a impedir esses atos de intolerância”.
Com menos palavra, menos palavra, o comunicado da TV Zimbo teve o mesmo teor. A “coincidência”, que não se esgotou no conteúdo dos comunicados, mas também na data da sua produção e emissão, significa que ambos têm o mesmo “pai”, que não é nem Francisco Mendes, pela TPA, e nem Paulo Julião, pela Zimbo.
Jurista de formação, o presidente do Conselho de Administração da Televisão Pública de Angola dificilmente daria o peito às balas por aquela aberração jurídica.
A cobertura das realizações da UNITA é uma daquelas actividades que as televisões públicas fazem não por caridade ou piedade. A cobertura das actividades da UNITA ou de qualquer outra organização legal é um serviço público a que a TPA, Zimbo, Palanca e outras são constitucionalmente obrigadas.
Por isso é que sendo arbitrária e, sobretudo inconstitucional, dificilmente alguém reclamará a autoria da decisão anunciada pelas duas televisões.
Pela sua natureza inconstitucional, a decisão das duas televisões está fadada ao fracasso imediato.
Por acção da Procuradoria Geral da República, da Ordem dos Advogados de Angola ou da própria UNITA, a decisão não sobreviverá por muito tempo e a sua anulação acarretará incalculáveis prejuízos ao seu patrono.
Na própria cúpula do MPLA, de onde se suspeita que tenha partido a “estratégica orientação”, a decisão não só está longe da aprovação unânime como se lhe desconhece a paternidade.
«O Bureau Político não tem nada a ver com as medidas reactivas tomadas durante o dia de ontem. Tudo o que se disse e escreveu após a manifestação da UNITA não passou por nós. Nós também fomos apanhados de surpresa», segundo desabafou esta manhã ao Correio Angolense um membro daquele órgão do partido governante.
O mandante não apenas coloca as duas televisões em colisão com a Constituição da República de Angola e demais legislação como abre fendas no próprio MPLA. “Nós não fomos ouvidos!”, reiterou, visivelmente aborrecida, a fonte do Correio Angolense.
A alínea c) do artigo 69 º da Lei de Imprensa (Obrigações específicas do operador concessionário do serviço público de televisão) dispõe: ”Garantir a cobertura noticiosa dos principais acontecimentos nacionais e internacionais”.
A cobertura de manifestações da UNITA ou fazer entrevistas aos seus líderes não resulta da boa ou má vontade, da boa ou má disposição dos administradores da TPA ou da Zimbo. É uma imposição legal.
A alínea g) do mesmo artigo inclui entre as obrigações do operador do serviço público de televisão “garantir o exercício dos direitos de antena, de resposta e de réplica política, nos termos constitucionais e legalmente previstos”.
Isto quer dizer que se a UNITA convocar os seus direitos constitucionalmente protegidos, TPA e Zimbo serão obrigadas a engolir o que tão rudemente expeliram.
Liderado por uma entidade recentemente saída do Bureau Político do MPLA, o Tribunal Constitucional por certo que está a acompanhar com o devido interesse a fragorosa inconstitucionalidade praticada pelas duas principais cadeias de televisão pública.
O que a TPA e Zimbo fizeram é, também por isso, um belo teste à independência do poder judicial em Angola.
Àqueles que tomam as televisões públicas como suas caixas de ressonância exclusivas, convém lembrar o que estabelece a Constituição.
No n.º 4 do seu artigo 17 º (Partidos Políticos) a nossa Carta Magna estabelece que os “partidos políticos têm o direito à igualdade de tratamento por parte das entidades que exercem o poder público, o direito à um tratamento imparcial da imprensa pública e o direito de oposição democrática, nos termos da Constituição e da lei”.
Trocado por miúdos: a Constituição não deve e nem pode ser ajustada aos caprichos e birras circunstanciais de quem quer que seja.
Quem quer que deu a ordem, elevou a fasquia a uma altura inacessível quer ao MPLA como ao próprio Presidente da República. Isto é, foi longe demais!