POR QUÊ TER INIMIGOS, SE O MPLA…

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Na manhã de terça-feira, um responsável municipal do MPLA no Longonjo, Huambo, juntou-se ao coro nacional de enaltecimento dos feitos de José Eduardo dos Santos.

Segundo esse membro do MPLA, sem a clarividência de José Eduardo dos Santos parcelas do território do Longonjo não teriam sido desminadas, e sem desminagem não teria sido possível construir uma centralidade naquele município.

Em suma, hoje Longonjo tem uma centralidade porque José Eduardo dos Santos – ninguém mais – descobriu que a construção de uma centralidade no Longonjo deveria ser precedida de remoção de minas plantadas em parcelas de território daquela localidade.

Segunda-feira, o Presidente João Lourenço escreveu no livro de condolências que os angolanos vergam-se e honram a memória de José Eduardo dos Santos, “defendendo e perpetuando a sua maior obra, a paz e a reconciliação nacional”.

O MPLA tem comportamentos inconstantes. Depois de quase 5 anos em que esteve arrumada na sua despensa das inutilidades, o MPLA resgatou a figura de José Eduardo dos Santos revestindo-a, novamente, com velhos e desgastados timbres de arquitecto de paz, pai da reconciliação nacional, mentor das centralidades, em suma, o homem sem o qual seria improvável a existência da cidadania angolana.

O MPLA também faz curvas bastante apertadas. Ao mesmo tempo que diz que a pacificação de Angola ou a construção de centralidades seriam impensáveis sem José Eduardo dos Santos, o MPLA dá mostras de que não dá o menor valor à palavra do seu presidente emérito. Ou seja, gaba-lhe os feitos, mas não lhe valoriza a palavra.

Em meados de 2010, uma cidadã zairense, Josefa Nguituka Matias, apresentou-se ao jornal F8 como filha de José Eduardo dos Santos. 
O então Presidente da República negou a paternidade de Josefa nos termos mais categóricos. 
Num sereno depoimento à Televisão Pública de Angola, José Eduardo dos Santos não só rejeitou a paternidade como justificou por que não seria pai de Josefa Nguituka Matias.
Ao F8, a cidadã zairense disse ter nascido em 1964, mas só em 1999, aos 46 anos de idade, já então  garimpeira de diamantes na Lunda Norte, decidiu procurar por José Eduardo dos Santos, de quem reclamava a paternidade biológica.

Com o solene desmentido, julgava-se que o assunto estava arrumado. Mas, veio agora a saber-se, que, afinal, alguém não “engoliu” a versão de José Eduardo dos Santos. O assunto estava, apenas, “congelado”, mas não apagado.

Segunda-feira, 11 de Julho, exactos 11 anos depois do desmentido, enquanto o Telejornal da TPA vergastava severamente a primogénita de JES Isabel dos Santos por supostamente se entregar à gandaia, numa altura em que deveria observar luto pela morte do pai, a TV Zimbo, outro canal público, entrevistava a cidadã zairense Josefa Nguituka Matias, ela também apresentada como primogénita de José Eduardo dos Santos.  

Duas primogénitas.

Todos os contemporâneos garantem que José Eduardo dos Santos não se fazia rogar perante certos desafios… 
Mas daí a ter gerado duas primogénitas simultaneamente… Uma delas há-de ter nascido primeiro.

Nos seus registos oficiais consta que a nossa antiga “Princesa” nasceu no dia 20 de Abril de 1973, em Baku.

Mas, pela ordem cronológica, Isabel dos Santos “perde” a qualidade de primogénita para a “irmã” que a TV Zimbo foi resgatar não se sabe como e nem onde.

Na entrevista feita por Amílcar Xavier não ficou claro o sobrenome da primogénita que a Zimbo (e não só) decidiu atribuir a título póstumo a José Eduardo dos Santos.

Em Setembro de 2010 quando rejeitou pública e solenemente a paternidade a Josefa, José Eduardo dos Santos estava no auge do seu poder imperial. Não passaria por nenhum constrangimento económico se mandasse acrescentar mais um prato à mesa e também não é crível que corresse o risco de ser molestado fisicamente pela então primeira-dama, Ana Paula, pela descoberta de mais um rebento. O que eventualmente poderia causar algum constrangimento protocolar seria o abrupto aumento do clã dos Santos, já que, seguramente, Josefa Matias acrescentaria mais alguns netinhos à prole do avô…

Seja como for, a paternidade de Josefa Matias é um assunto privado que apenas deveria dizer respeito a ela e a José Eduardo dos Santos.
Convidar para um acto de Estado a cidadã Josefa configurou uma inaceitável intromissão na esfera particular de José Eduardo dos Santos. Atribuir à Josefa Matias o título de primogénita de José Eduardo dos Santos é a prova de que o MPLA, ou quem manda nele, é, também, um poço sem fundo de falsidade e traição. 

José Eduardo dos Santos nem sequer foi ainda enterrado, mas os seus colegas pupilos já lhe estão a impingir o que ele em vida rejeitou.

Depois do inacreditável episódio em que duas estações televisivas públicas apresentaram, quase simultaneamente, duas primogénitas de José Eduardo dos Santos, nas redes sociais nasceu um debate sobre as responsabilidades individuais de Fernanda Manuel, da TPA, e Amílcar Xavier, da Zimbo, que deram os respectivos rostos pelas duas peças.

Os dois profissionais são, agora, apresentados como pobres coitados que teriam sido usados por uma das facções que se digladiam no interior do MPLA.

É óbvio que não foi Amílcar Xavier que permitiu acesso a Josefa Nguituka à cerimónia de Estado. Também é óbvio que não foi Fernanda Manuel que “viu” a Isabel dos Santos totalmente entregue ao desfrute.

Mas, nenhum dos dois é inocente. Ambos entraram no jogo de livre vontade. Nenhum telespectador viu qualquer arma apontada a Amílcar Xavier ou a Fernanda Manuel. Se a cada um deles fosse entregue uma arma para matarem seus filhos por certo que não o fariam.

Os apresentadores da TPA e da Zimbo alinharam na campanha de diabolização de Isabel e de insulto à memória de JES porque sentem-se bem a fazer fretes. É da sua natureza. É assim que muitos construíram as carreiras.  

A subserviência colocou hoje o jornalismo angolano ao nível do tapete sobre o qual alguns dignitários descarregam o lodo dos sapatos. Hoje, há jornalistas que assumem o que alguns políticos, por pudor, não fazem ou dizem. Apresentar uma cidadã estrangeira como primogénita de José Eduardo dos Santos ou ver Isabel dos Santos num espectáculo em que ela diz não ter estado são tarefas que políticos prudentes destinam a quem optou pelo conforto do estômago em detrimento da dignidade.

É imensa a responsabilidade dos dois profissionais. Mas o Governo, que controla as duas estações televisivas, não pode demarcar-se. Se tivessem agido por conta e risco próprios, Fernanda Manuel e Amílcar Xavier não acordariam, no dia seguinte, como empregados das da TPA e Zimbo.

Em suma: se o propósito era introduzir mais um elemento na difícil disputa pela trasladação dos restos mortais de JES o “resgate” da cidadã zairense veio mesmo a calhar. 

Se depender exclusivamente do MPLA, Isabel, Tchizé e outros vão ter de colocar um outro prato à mesa quando chegar a hora de dividir o espólio do pai. 

Depois do fim da guerra, a José Eduardo dos Santos não eram conhecidos muitos inimigos fora de portas. Está explicado: estão todos no MPLA. Com um partido “leal” como o MPLA, ninguém precisa de se inquietar com inimigos…