E A CONTENÇÃO DE DESPESAS?

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Acossado por uma grave penúria financeira sem precedentes próximos, o Governo anunciou em Julho redução ou mesmo corte de despesas com obras, aquisição de carros para uso oficial e viagens não essenciais.

A jornalistas, o secretário de Estado para as Finanças e Tesouro, Ottoniel dos Santos, disse, então, que as restrições financeiras poupariam, apenas, projectos com execução acima de 50 por cento e financiamento garantido e os que tivessem a execução acima dos 80 por cento e cuja conclusão dependesse de recursos extraordinários do Tesouro. 

De acordo com aquele governante, a redução de despesas implicaria, também, a revisão da carteira global das obras do Plano Integrado de Intervenção nos Municípios (PIIM), bem como despesas sectoriais, nomeadamente as que têm a ver com acções directas dos vários órgãos do Executivo.

O Governo anunciou, igualmente, a redução das despesas ligadas a deslocações ao exterior, redução da composição das delegações que “fazem parte dessas saídas e revisão de outros processos que poderão diminuir o peso sobre o orçamento das despesas sectoriais”.

Ottoniel dos Santos anunciou, também, a suspensão da renovação de frotas automóveis e definição de fasquias mais modestas para viaturas destinadas a servidores públicos.

Viajante compulsivo, o Presidente João Lourenço tem dado o exemplo, reduzindo,substancialmente, as peregrinações ao estrangeiro, repetidamente justificadas com pretensa atracção de investimentos.

Desde que o Governo decidiu refrear a gastança, João Lourenço deslocou-se apenas uma vez ao exterior. A visita de Estado ao Quénia surpreendeu não apenas pelo modelo de avião em que viajou, muito inferior ao luxuoso Boeing 787-8 Dreamliner com que habitualmente se passeia pelo mundo, mas, também, pelo reduzido séquito de acompanhantes.

A decisão de suspender a renovação de frotas automóveis destinadas a servidores públicos foi tomada depois de, avisadamente, a Presidência da República se haver aviado com uma nutrida frota de Maybach, o mais luxuoso modelo da  Daimler AG, pertencente ao mesmo grupo que fabrica a Mercedes-Benz.  

Se é certo que são notórios os cortes nas despesas com viagens ao exterior tanto do Presidente da República quanto de ministros e outros servidores públicos, internamente, porém, há uma sucessão de gastos públicos que dificilmente obteriam o respaldo do cidadão comum.

De 23 a 27 de Outubro, Angola acolheu a 147ª Assembleia geral da União Interparlamentar.

De acordo com fontes oficiais, mais de 1000 delegados, em representação de 100 países, estiveram em Luanda para perorarem sobre terrorismo e alterações climáticas.

A amena cavaqueira, em que se costumam constituir encontros participados por muitas centenas de pessoas, terminou com um brutal jantar-dançante oferecido pelo casal presidencial no jardim da Cidade Alta. 

As imagens televisivas do banquete não deixam dúvidas quanto aos seus (estratosféricos) custos.

Quase um mês depois da realização dessa 147ª Assembleia geral da União Interparlamentar no país, aos angolanos nada foi dito sobre ganhos supervenientes.

Angola foi o único dos cinco países africanos de língua portuguesa que acolheu a reunião magna da União Interparlamentar. Um evento que requer um esforço financeiro e logístico que não está ao alcance de muitos. 

Exactamente um mês depois da assembleia dos Parlamentos do mundo, Angola acolhe desde hoje, 22, a Bienal de Luanda, um Fórum dito “Pan-Africano para a Cultura de Paz”.

Sob o vago e difuso lema “Educação, Cultura da Paz e Cidadania Africana como Ferramentas para o Desenvolvimento Sustentável do Continente”, o evento reúne  várias personalidades, algumas das quais certamente se deslocaram a Luanda com passagens e ajudas de custo pagas por Angola.

Respeitáveis individualidades como José Maria das Neves, Presidente da República de Cabo Verde, Carlos Vila Nova, Presidente da República de São Tomé e Príncipe, Moussa Faki Mahamat, Presidente da Comissão da União Africana, e os antigos Presidentes da República de Moçambique, Joaquim Chissano e da Nigéria, Olusegun Obasanjo, levaram a Luanda discursos de circunstância, aqueles que massageiam o ego do Presidente João Lourenço, mas nenhum deles foi ou será capaz de lhe lembrar que não há cultura de paz alguma que resista à fome, nudez, doenças, má governação, injustiça e pilhagem a que estão submetidos os angolanos e outros povos africanos.

A nenhum dos visitantes também ocorreu referir que a dita “Educação, Cultura de Paz” só são alcançáveis com fortes investimentos e, também, que não haverá desenvolvimento sustentável nenhum se líderes africanos continuarem a privilegiar gastos com a Defesa e Segurança em detrimento da Educação e Saúde.

Quando nos dias 25 ou 26 a totalidade das delegações estrangeiras tiverem regressado aos seus países, os angolanos concluirão, mais uma vez, que os governantes do país gastaram dinheiro público para promover uma iniciativa totalmente inútil e que vai na contramão da pretendida contenção do despesismo.

Em suma, a sucessão de eventos internacionais em Angola não acrescenta nada ao país.

Alegar-se-á, eventualmente, que os dois eventos foram programados antes do anúncio da contenção de despesas.

Mas, a propensão dos governantes angolanos para acolherem eventos internacionais, de serventia duvidosa, destapa a sua tentação para o despesismo.