Através do Despacho n.º 278/23, de 21 de Novembro, o Presidente da República autoriza a despesa e formaliza a abertura de um Procedimento de Contratação Simplificada, “assente em critérios materiais, por razões de financiamento externo” para a adjudicação de contratos para obras públicas de reabilitação das infra-estruturas gerais da Urbanização Nova Vida.
O contrato, no valor global de 259.478.295,06 (duzentos e cinquenta e nove milhões, quatrocentos e setenta e oito mil, duzentos e noventa e cinco) dólares, será celebrado com uma empreiteira escolhida pela entidade financiadora.
No mesmo despacho, o Presidente da República autoriza, também, a celebração de um contrato para prestação de serviços de fiscalização das obras de reabilitação das infra-estruturas do Nova Vida. O valor desse contrato, cujo beneficiário não é identificado, é de 6.616.696.537,08 (seis mil, seiscentos e dezasseis milhões, seiscentos e noventa e seis mil e quinhentos e trinta e sete Kwanzas e oito cêntimos).
O Presidente da República justifica os dois contratos com o “elevado nível de degradação em que se encontram as ruas e estradas da Urbanização Nova Vida, com buracos e erosão transversal e longitudinal em quase toda a extensão”, situação que torna necessário e urgente uma “intervenção integrada e coordenada”.
A primeira fase da Urbanização Nova Vida começou a ser habitada em 2006.
Em 2007, o Estado iniciou a construção da segunda fase. Dois anos depois, o Estado celebrou com a Imogestin, uma empresa participada pelo BAI, com 50% do capital, e outros entes particulares, um contrato de gestão da urbanização.
O contrato de gestão não contemplou a manutenção das infra-estruturas da urbanização.
“Por mais que se dissesse que era preciso acautelar a manutenção, os decisores políticos diziam que isso não era prioritário”, conforme recordou ao Correio Angolense fonte que acompanhou a cedência da gestão do Nova Vida à Imogestin.
Sem quaisquer preocupações com a manutenção, a Imogestin concentrou-se na venda dos imóveis que iam sendo construídos. Um negócio que lhe valeu muitos milhões de dólares em comissões.
Os primeiros sinais de degradação do Nova Vida tornaram-se evidentes pouco depois de 2010. Nessa altura, as ruas da Shoprite e do Tribunal Provincial já imploravam intervenção pública.
Apesar dos seus ilustres habitantes, nomeadamente a elite dos poderes político, judicial e militar, aos quais se juntaram altos funcionários da Presidência da República, magistrados do Ministério Público, nenhuma entidade se mostrou comovida com a degradação de um dos mais novos bairros de Luanda. A circunstância de os últimos 4 governadores de Luanda (Adriano Mendes de Carvalho, Luther Rescova, Joana Lina e Ana Paula de Carvalho Chantre) viverem no Nova Vida não travou a degradação da urbanização.
Embora tardia, a “intervenção integrada e coordenada” no Nova Vida vai salvar o bairro de uma “mucequização” precoce.
Aliás, em algumas das suas “secções”, o Nova Vida está ao nível do Kantinton, interior do Catambor ou do Sambizanga.
Se feita atempadamente, intervenção integrada e coordenada agora autorizada no Nova Vida por certo que ficaria muito, mas muito abaixo mesmo dos quase 260 milhões que a reabilitação das infra-estruturas requer e também muito abaixo dos mais de seis biliões de Kwanzas para a fiscalização da empreitada.
Dir-se-ia que no Nova Vida, as autoridades de direito fecharam deliberadamente os olhos à degradação até que a sua reabilitação do bairro valesse uns bons milhões de dólares em comissões.
Em linguagem figurada, dir-se-ia que engordou-se deliberadamente o porco para lhe extrair mais banha.
Agora que o Presidente tem a mão na massa, conviria que a sua atenção se estendesse ao Kilamba e a todas outras centralidades que se degradam a uma velocidade incomum.
Como nota final, registe-se que o Decreto Presidencial que autoriza as obras de reabilitação do Nova Vida é omisso quanto à identidade da entidade financiadora.
Com isso, o povoléu, que é assim que é tomada a generalidade dos angolanos, fica sem saber a quem é que foi endividado, os prazos do pagamento da dívida e os juros inerentes.
Quanto à executora da obra, que será escolhida pela entidade financiadora, os “hábitos e costumes” sugerem que não andará muito distante do restrito grupo que abocanha invariavelmente as empreitadas públicas.
Afinal, 260 milhões não são propriamente trocados a depositar em quaisquer mãos…