“Justiça atrasada é injustiça qualificada”

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Parece óbvio que à Justiça angolana não agradou o facto de Valter Filipe, José Filomeno dos Santos, Jorge Gaudens e António Bule haverem recorrido das penas de prisão a que foram condenadas em 2020. 

Se se tivessem conformado com as respectivas sentenças, todos os réus já teriam cumprido mais de metade das penas e possivelmente já soltos ao abrigo, por exemplo, do instituto que beneficia o bom comportamento ou mesmo de um indulto presidencial, hipótese, contudo, menos provável.

Sucede, porém, que o quarteto recorreu quer da decisão da Câmara Criminal do Tribunal Supremo quanto da do Plenário do mesmo tribunal. 

Com a batata quente nas mãos desde Agosto de 2022, o Tribunal Constitucional dá indícios de incapacidade de sanar o assunto.

No próximo ano, completar-se-ão os 5 anos de prisão a que José Filomeno dos Santos e António Samalia Bule foram condenados em primeira instância. 

A  questão que se colocará será sobre se a contagem da pena iniciou-se em 2020 ou em 2021, data em que o Plenário do Supremo confirmou as detenças da Câmara Criminal, decisão entretanto imediatamente recorrida junto do Tribunal Constitucional.

Muito plausível, o deferimento do recurso extraordinário  de inconstitucionalidade anularia apenas a decisão do Plenário do Supremo ou, também, a da Câmara Criminal, ela também recorrida? Da hipotética anulação da decisão do Plenário decorreria alguma sanção disciplinar a Joel Leonardo por haver, conscientemente, violado a Constituição? 

No julgamento do caso envolvendo Valter Filipe, José Filomeno dos Santos, Jorge Gaudens e António Samalia Bule coabitam, alegremente, os principais  “defeitos de fabrico” identificados na chamada luta contra a corrupção e a impunidade: perseguição política, selectividade e sonegação de justiça.

Os quatro cidadãos estão sob forte marcação da justiça não porque tenham causado danos irreparáveis ao Estado – aos três juízes da Câmara Criminal foram exibidas provas documentais que comprovam que Angola não foi lesada em um único chavo furado. Valter Filipe, José Filomeno dos Santos, Jorge Gaudens e António Samalia Bule são, apenas, os “instrumentos” através dos quais a Justiça exercita a sua obsessão de julgar e punir, mesmo quando lhe faltam provas, o antigo Presidente José Eduardo dos Santos. 

Valter Filipe, José Filomeno dos Santos, Jorge Gaudens e António Bule são os rostos de um julgamento em que o verdadeiro e único réu é José Eduardo dos Santos.

Em Novembro passado, por ocasião do II Congresso Angolano de Direito Constitucional, a advogada Ana Paula Godinho advertiu que num futuro, que pode não estar distante, muitos magistrados angolanos se arrependerão das decisões que hoje tomam.

E talvez não se fiquem apenas pelo arrependimento.

Afinal, como ensinou Montesquieu, filósofo francês que viveu entre 1689 a 1755, “quando uma lei deixa de proteger os teus adversários, virtualmente deixa de te proteger”. 

Nesse “tête-à-tête” com a justiça, têm ocorrido factos só justificáveis pelo desejo veemente de humilhar os réus. 

Em Junho de 2019, por exemplo, o Tribunal Supremo revogou a sua decisão que impedia a mobilidade dos arguidos, dentro ou fora do país e manteve, apenas, como medida de coação o Termo de Identidade e Residência (TIR).

Facto é que quase 5 anos depois, Valter Filipe, José Filomeno dos Santos, Jorge Gaudens e António Samalia Bule não podem ausentar-se do país porque os seus documentos de viagem não lhes foram devolvidos, malgrado as inúmeras diligências dos advogados de defesa junto do tribunal.

De tão desencontradas as justificações para a retenção dos documentos, instalou-se nos advogados a convicção de que os passaportes e outros títulos do quarteto jazem numa qualquer gaveta que não a do Tribunal Supremo.

No caso de Zenu dos Santos sublinhe-se que a injustificada retenção do seu passaporte impediu-o de visitar o pai, mesmo quando já agonizava em Espanha. 

No já referido II Congresso Angolano do Direito Constitucional, Rui Ferreira, antigo juiz conselheiro presidente do Tribunal Constitucional, culpou advogados pelo pouco volume de trabalho que aquela corte tem. 

O recurso extraordinário de inconstitucionalidade interposto pelos defensores dos quatro réus deu entrada no Tribunal Constitucional em Agosto de 2022. 

Quando e se um dia o recurso for deferido, como parece inevitável, já não será possível calcular e muito menos reparar os danos morais e materiais sofridos pelos quatro cidadãos. 

É por essa razão que Ruy Barbosa sustenta que a “justiça atrasada não é justiça; senão injustiça qualificada e manifesta”.

Valter Filipe, José Filomeno dos Santos, Jorge Gaudens e António Samalia Bule estão a ser punidos por crimes que não praticaram.