E nós como vamos?

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Uma parte da opinião pública europeia está “traumatizada” porque um inquérito feito por esses dias mostrou que  61% dos portugueses não leram um livro em 2020.

Encomendado pela Fundação Calouste Gulbenkian ao Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, o Inquérito às Práticas Culturais dos Portugueses 2020 indica baixos índices de leitura, mostra que Portugal fica aquém da média europeia quanto no uso de internet e que a escolaridade e o preço são ainda fatores de exclusão no acesso à cultura.

Em 223 páginas os inquiridores fizeram uma radiografia aos hábitos dos portugueses no consumo de livros, frequência de museus e monumentos, espetáculos, cinema e outras práticas culturais.

Uma das principais conclusões do inquérito que teve um universo de 2 mil inquiridos e que foi encomendando pela Gulbenkian revela que há “significativas desigualdades sociais no acesso à cultura”. Os baixos níveis de escolaridade e os escassos recursos económicos são fatores de exclusão nos hábitos de consumo cultural.

O estudo que pretende lançar eixos para uma reflexão sobre políticas culturais futuras revela que “é possível que a oferta cultural nas plataformas digitais, indiciada, em contexto pandémico, por uma relativa intensificação dos usos da Internet no domínio cultural, possa acentuar-se no futuro”.

Mss, o dado mais surpreendente  do estudo é que   61% dos portugueses não leu um livro em 2020. O Investigador Coordenador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, José Machado Pais manifesta-se surpreendido com este decréscimo de leitores, sobretudo quando comparado com os valores em Espanha que rondam os 38%.

Os livros digitais continuam também a não estar da preferência dos leitores portugueses. Só 10% dos inquiridos leu um livro digital, contra 20% dos espanhóis. Entre os livros mais lidos, 46% são romances, sobretudo entre mulheres. Outro dado preocupante é que os que menos prazer retiram da leitura (43%) são os jovens dos 15 aos 24 anos, precisamente os que mais leem para estudar ou realizar trabalhos escolares (45%).

O estudo aponta “a persistência de assimetrias sociais na criação de hábitos de leitura”, mas também indica uma mudança. “O facto de os jovens de hoje terem pais mais escolarizados do que os das gerações mais velhas e, por isso mesmo, mais sensíveis ao valor cultural da leitura evidencia um importante elo de transmissão geracional: a democratização do acesso à educação potencia ganhos culturais nas gerações sucessoras”.

Em Angola e mesmo que fosse apenas restringido a membros do Governo, um inquérito com esse propósito seguramente revelaria números mais “primitivos”. É muito provável que em 2021, 97% dos titulares dos departamentos ministeriais não leram se não relatórios de matérias agendadas nas reuniões do Conselho de Ministros. 

De resto, estão presentes no Executivo e noutras esferas do poder os responsáveis pela concepção e construção das novas centralidades do país sem equipa-las com livrarias e bibliotecas.

O Kilamba Kiaxi, a maior centralidade do país, dotada de pelo menos 15 fogos habitacionais, não tem uma única universidade, uma única sala de leitura, uma única livraria.

Em Luanda, as maiores referências de livrarias como a Lello, Mensagem ou Mirui foram destruídas (Mirui), desactivadas (Lello) ou convertidas em pastelarias (Mensagem).

Não é sem razão que nos dias de hoje, um governante ou um professor universitário angolanos cometem erros de redacção que em outros tempos os professores do ensino primário não tolerariam em alunos dos primeiros anos de escolaridade.

Aquele antigo ministro da Educação que certa vez grafou xouriço no lugar do comum chouriço foi a mais chocante prova de que em Angola a leitura é tida como um luxo, a que uns poucos se entregam.